o poema
o poema, em toda sua grandeza épica, trágica, narrativa, carnal e dramática passou pela entrega ao nada, do nada do suco de laranja. a prosa se tornou best seller e a poesia, essa coisinha egóica, se tornou pastiche de um “eu” esgotado. num mundo de forças fracas, forças reativas — criar uma narrativa da força, criar uma força da narrativa, é feito doloroso e profundamente alegre. a força da narrativa só se potencializa quando produz e é ativamente a narrativa da força, força menipéia, dionisíaca, vital, essencialmente política, ética — esse passo além do mercado. mas é preciso tá dentro, diante e com as forças e não apenas inventando uma força, delirando forças.
o poema de a perversa migração das baleias azuis não é só uma “experiência direta”, uma “experiência pessoal”, mas “experiência interior” como queria bataille — abole o autor, a vidinha, o caso, a descrição, os sentimentos: partir da vida pessoal não faz do poema um relato, uma descrição de algo — ele é diretamente a “outra coisa aberta” pela experimentação da vida: sua língua não é nem pode ser a mesma da poesia (isso q não consegue escapar da latrina do eu e da vida e das coisas do eu), da crônica, do olhar q não escapa de si e das suas crenças: o poema é experiência da diferença, do movimento e do enfrentamento – sua substância é a ficção, a alteridade em guerrilha, o corpo dis-posto contra o mundo. a experiência do poema é ficção q possibilita a experiência, nada legítimo, real, verdadeiro ou pessoal. um poema é instrumento de luta, arma, arsenal — jamais declaração de qualquer coisa, um recado, uma mensagem, um dizer o q “sinto e penso”. o poema diz até onde pode ir o corpo, o pensamento a vida: não a vida aqui, a vida menor do “sujeito”, mas essa vida q se abre e é entrevista através do tecido do poema: a vida do horror, isso q treme e vibra e faz doer, esse lugar sem lugar dos espectros da máquina tribal, esse por dentro q é todo fora, esse lugar de guerra onde tamos todos envolvidos. sem uma dimensão, uma posição dionisíaca, um riso luciânico, um esgar cínico. sem violência política não há poema, só poesia, só crônica, só relato da latrina do eu, esse pobre eu q todos sabem, todos reconhecem, todos gostam e entendem — essa coisinha q os poderes e o poder adora porq podem dominar, amedrontar, inverter, perverter, redirecionar e por “nas salas de aula, das salas de jantar e nos quartos”. o poema não é coisa de poeta, mas de libertino.
alberto lins caldas
a perversa migração das baleias azuis
ibis libris, rio de janeiro, 2015.
156 p.
R$ 30,00Ckique aquipara comprar.